31 de janeiro
Decreto
Pontifício
São João Bosco — Do Decreto de “Tuto” de 3-12-1933. — “Boletim Salesiano”, Março, 1934.
No
decorrer do século XIX, quando por toda a parte chegavam à maturação os
venenosos frutos de destruição da Sociedade Cristã, cujos germes haviam sido
tão largamente disseminados pelo século anterior, a Igreja principalmente na
Itália, viu-se à mercê de muitas procelas contra si levantadas, nesses tristes
tempos, pela maldade dos homens. Contemporaneamente, porém, a misericórdia
divina enviou, para auxílio de sua Igreja, válidos campeões para que evitassem
a extrema ruina e conservassem entre o nosso povo a mais preciosa das heranças
recebidas dos Apóstolos — a fé genuina de Cristo.
De fato,
no meio das dificuldades daqueles tempos, surgiram entre nós homens de
ilibadíssima santidade e, mercê de sua prodigiosa atividade, nenhum assalto dos
inimigos logrou desmantelar as muralhas de Israel.
Sobressai entre os demais, por elevação
de espírito e grandeza de Obras, o Bem-aventurado
João Bosco, que, no tristíssimo evoluir dos tempos, se constituiu, durante o século passado, qual marco miliário apontando aos povos o caminho da salvação. Porquanto,
“Deus o suscitou para justiça”, segundo a expressão de Isaias, “e dirigiu todos os seus passos”. E, na verdade, o Bem-aventurado João Bosco, por virtude do Espírito Santo, resplandeceu diante de nós como modelo de
Sacerdote feito segundo o coração de Deus, como educador inigualável da juventude, como fundador de novas famílias religiosas e como propagador da fé.
De humilde condição, nasceu João
Bosco numa casa campestre, perto de “Castelnuovo
d’Asti”, de Francisco e Margarida Occhiena, pobres mas virtuosos cristãos, aos 16 de agosto de 1815. Tendo perdido o pai na tenra idade de
dois anos, cresceu na piedade sob a sábia e santa guia materna. Desde menino resplandeceu nele uma
indole excelente, a que andavam unidas
grande agudeza de engenho e tenacidade de memória,
aprendendo num instante quanto lhe era ensinado pelos mestres, primando sempre, sem contestação,
nas classes, pela rapidez no aprender e facilidade de
intuição.
Depois de alguns anos de áspera e laboriosa
pobreza, que lhe robusteceu a fibra,
preparando-o para as mais árduas provas, com o consentimento da mãe e recomendação do bem-aventurado José Cafasso, entrou para o Seminário de Chieri, onde, por espaço de seis anos, se dedicou, com ótimo
aproveitamento, aos estudos. Recebeu, finalmente, a
ordenação sacerdotal, em Turim, aos 5 de junho de 1841.
Poucos meses após, admitido no Colégio Eclesiástico de São Francisco
de Assis, sob a direção do Bem aventurado José Cafasso, exercitou com grande
vantagem das almas o ministério sacerdotal nos hospitais, nos cárceres, no
confessionário e na pregação da palavra de Deus.
Formado assim neste exercicio prático do sagrado ministério, sentiu acender-se mais
viva do que nunca em seu espírito a peculiar vocação alimentada por inspiração
divina desde sua adolescência qual a de atender e dirigir para o bom caminho a
juventude, particularmente, a abandonada. Sua perspicácia havia já intuído de quanta utilidade devesse ser este meio para preservar a sociedade da ruina a que estava
ameaçada, e, para a atuação de tal desígnio, dirigiu os esforços de seu nobre
coração com tão felizes resultados que, entre os educadores cristãos contemporâneos,
figura ele indubitavelmente em primeiro lugar.
O próprio nome de “Oratório” dado à sua instituição, faz-nos ver sobre quão firme base
tenha construído todo o edifício, isto é, sobre
a doutrina e piedade cristã, sem a que baldada se torna qualquer tentativa
para arrancar às paixões viciosas o coração dos jovens e endereçá-lo para
ideais mais nobres. Nisto, porém, usava ele
tanta doçura que os jovens quase que espontaneamente sorviam e amavam a piedade, não já constrangidos, mas por
verdadeira convicção, e uma vez ganho seu afeto levá-los-ia sem dificuldade
para o bem.
A fim de perpetuar a existência de sua obra e prover assim mais eficazmente à educação juvenil, animado pelo
Bem-aventurado José Cafasso e pelo Papa Pio
IX, de santa memória, fundou a “Pia, Sociedade de São Francisco de Sales”, e, algum tempo depois, o “Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora”.
Hoje as duas famílias formam um conjunto de
quase vinte mil membros, espalhados por todo o
mundo em cerca
de mil e quinhentas Casas. Milhares e milhares de crianças de ambos os sexos
recebem sua formação literária e profissional. Seus Filhos e Filhas também se
encarregam, generosamente, da assistência aos enfermos e aos leprosos, e alguns deles, contraindo esse terrível
morbo, sucumbiram vítimas de sua caridade.
Dignos filhos de tão grande Pai!
Nem deve passar despercebida a instituição dos Cooperadores, isto
é, uma associação de fiéis, em sua maioria leigos, que, animados do mesmo
espírito da Sociedade Salesiana e como essa dispostos a qualquer obra de
caridade, tem por escopo, prestar, segundo as circunstâncias, válido auxílio
aos párocos, aos Bispos e ao mesmo Sumo Pontífice. Primeiro e notável ensaio
de “Ação Católica!” A associação foi aprovada por Pio IX e, em vida ainda do
Bem-aventurado João Bosco, alcançou a cifra de oitenta mil sócios.
Mas, o zelo das almas, que lhe ardia no peito, não se limitou tão somente
ao círculo das nações católicas; alargando os horizonte de sua caridade,
enviou os missionários de sua família religiosa à conquista dos gentios para Cristo.
Aos primeiros que, chefiados por João Cagliero, de santa e
gloriosa memória, se dedicaram a evangelização das extremas terras da América
Meridional, seguiram muitos e muitos outros salesianos que espalhados agora
aqui e ali pelo mundo levam intrepidamente o
cristianismo aos povos infiéis.
Quantas e quão grandes coisas tenha ele feito e padecido pela Igreja e pela tutela dos direitos
do romano Pontífice, seria difícil dizer-se. Pode-se aplicar, portanto, ao Bem-aventurado
João Bosco, as palavras que temos em Salomão: Deus lhe deu sapiência e
prudência extremamente grande, e magnanimidade imensurável como a areia que
está na praia do mar. (3 Reg., 4, 29). Deu-lhe Deus sapiência, pois que,
renunciando a todas as coisas terrenas, aspirou unicamente promover a glória de Deus
e a salvação das almas. Era seu mote: “Dai-me as almas e ficai-vos com o
resto.”
Cultivou em grau supremo a humildade; tornou-se insigne no espírito de oração, tendo a mente sempre unida a Deus, se bem
parecesse
continuamente distraída por uma multidão de afazeres.
Nutria extraordinária devoção para com Maria Santíssima Auxiliadora e experimentou inefável alegria quando pôde edificar em sua honra, na cidade de Turim, o célebre templo, do alto de cuja cúpula campeia a Virgem
Auxiliadora, Mãe Rainha, sobre toda a
Casa de Valdoco.
Morreu santamente no Senhor, em Turim, aos
31 de janeiro de 1888. Crescendo, dia a dia, sua fama de santidade, foram, pela Autoridade Ordinária, instaurados os processos; a Causa da Beatificação foi introduzida por Pio X, de santa memória, em 1907. A Beatificação
foi depois solenemente celebrada na Basílica Vaticana, com regozijo de toda a Igreja, no dia 2 de junho de 1929.
Reencetada a Causa no ano seguinte, foram
feitos os processos sobre duas curas
que pareciam devessem ser atribuídas a milagre divino.
Pelo decreto de 19 de novembro deste ano,
foram aprovados os dois milagres operados por
Deus e atribuídos à intercessão do Bem-aventurado.
Desfeita a última dúvida, isto é, se em
vista da aprovação dos dois milagres, depois
que a Santa Sé concedera culto público ao Bem venturado,
se poderia proceder com segurança à sua solene Canonização. Esta dúvida foi proposta ao
Eminentíssimo Cardeal Alexandre Verde, Ponente
ou Relator da causa, na Congregação Geral da S. C dos Ritos, realizada em presença do Santo Padre no dia 28 de novembro. Todos os Eminentíssimos Cardeais presentes.
Oficiais, prelados e Padres Consultores derem parecer unânime e afirmativo, parecer que o Santo Padre jubilosamente aceitou, deferindo todavia o seu juízo para o dia 3 de
dezembro, primeira dominga do advento. Portanto, o Santo Padre, em 3 de dezembro
de 1933, dia também consagrado a São Francisco Xavier, Padroeiro da Obra da
Propagação da Fé, fez a solene declaração
neste sentido. A canonização teve lugar a 1 de abril de 1934, no dia da Ressurreição,
último do Ano Santo da Redenção, na presença de toda a Corte Pontifical, no meio de um esplendor
extraordinário, diante de perto de 300.000 pessoas.
REFLEXÕES
São João Bosco é uma das figuras mais eminentes entre
os Santos dos nossos dias. O bem que fez à família de Cristo na terra e com
isto às almas, é extraordinário. A nota característica em sua vida e em sua
obra é o zelo pelas almas. Outro interesse não conhecia, a não ser este: ganhar
almas para o céu. Este zelo o fazia exclamar: “Dai-me almas, Senhor, com todo
o mais podereis ficar”. No trabalho pela salvação das almas, se esquece de si
próprio, sacrifica comodidade, conforto e saúde. É incansável. Dia e noite
está ocupado com a realização do seu ideal: implantar nos corações dos jovens o
amor a Cristo e à Mãe Santíssima. Seu apostolado, abençoado e acompanhado pela
mãe, é grandioso e universal. Não há ramo da Ação Católica que a obra de João
Bosco não abranja: ensino, doutrina, arte, caridade e imprensa. Assim este
grande Santo apresenta a personificação a mais completa de Nosso Senhor em
nossos dias. Sua vida ativa e contemplativa é a vida de Jesus Cristo em
perfeita imitação. Demos graças a Deus por ter dado este grande apóstolo à
Igreja Católica e peçamos-lhe a graça de, por intercessão do seu santo Servo,
crescermos cada vez mais no amor a Jesus Cristo, a sua Santa Igreja, e
aumente-nos de dia para dia o zelo apostólico pela salvação das almas. Zelo
pela salvação das almas não é virtude que somente aos sacerdotes deve pertencer.
0 mandamento da caridade se dirige a todos, e a petição “venha a nós o vosso reino” do Padre Nosso fala-nos
do dever que temos de trabalhar pela solidificação e propagação do reino de
Deus sobre a terra. Os pais devem zelar pela santificação de seus filhos; os superiores
têm por obrigação promover a vida em Deus dos seus súditos. Cada estado tem
deveres especiais, que se relacionam ao bem espiritual do próximo. Quem julga
nada poder fazer pela salvação do próximo, faça uso da oração e edifique o
próximo pelo bom exemplo. Quem diz não saber em que intenções deve rezar, ótimas
indicações poderá encontrar nas intenções mensais do Apostolado da Oração,
abençoadas pelo Santo Padre.
Extraído do Livro Na Luz Perpétua — Pe. João Batista Lehmann
I. Volume – V Edição - 1959
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